16 de junho de 2025 - 11:49

Aborto, censura, cultura woke, modelo chinês: as teses mais radicais dos grupos que disputam o poder no PT

Derrotar o capitalismo e a direita. Esta é a obsessão que norteia as propostas apresentadas pelas oito chapas participantes do PED — o Processo de Eleição Direta do PT, marcado para o próximo dia 6 de julho. 

O pleito interno vai renovar as direções de todas as instâncias do partido, incluindo a presidência nacional. Mas o PED vai além do mero exercício administrativo: é o momento em que os filiados discutem e a reafirmam a “alma ideológica” da legenda, por assim dizer. 

Dois debates, entre os candidatos a presidente e os representantes das chapas, já foram realizados e transmitidos ao vivo no YouTube. No entanto, é na frieza dos documentos protocolados pelos grupos, com as chamadas “teses”, que o pensamento dos petistas se manifesta verdadeiramente. 

Além do já citado desmantelamento da ordem econômica vigente e do campo político conservador, os textos têm em comum proposições no sentido de expandir o controle estatal, o confisco de riquezas via cobrança de impostos e a imposição da cultura woke

Há, ainda, defesas da adoção do modelo chinês, do apoio a Cuba e a Venezuela, da não anistia aos envolvidos no 8 de janeiro, da regulação das mídias e do aborto. 

Tudo sob o disfarce de eufemismos como “governança social”, “poder popular”, “autogestão”, “emancipação” e “planejamento econômico democrático” — entre outras expressões utilizadas para suavizar o radicalismo de uma agenda socialista que busca “superar” (como a militância gosta de dizer) a democracia liberal, o livre mercado e os costumes tradicionais. 

De Araraquara ao Foro de São Paulo 

São quatro os candidatos à presidência nacional do PT. Edinho Silva, favorito de Lula, foi prefeito de Araraquara e ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do governo de Dilma Rousseff. Outro nome conhecido do público é o deputado federal Rui Falcão (SP), que já ocupou o comando da legenda duas vezes. 

Mais ligado aos bastidores, o historiador Valter Pomar atuou, durante oito anos, como secretário executivo do Foro de São Paulo — aliança internacional de organizações de esquerda fundada por Lula e Fidel Castro nos anos 1990. E Romênio Pereira, pioneiro petista de Minas Gerais, é o atual secretário de Relações Internacionais do partido. 

Já as oito chapas representam correntes e grupos políticos diversos, que elaboram teses programáticas e podem, ou não, se aglutinar em torno de um candidato específico. As alas que não explicitam seu apoio a um “presidenciável” se dedicam a estimular debates internos e, possivelmente, negociar alianças individuais de olho na composição da futura diretoria. 

Veja a seguir quais são os grupos que disputam o poder no PT e um apanhado de suas propostas mais radicais, apresentadas nos debates e documentos disponíveis nos canais de comunicação petistas. 

“Lula, PT e Resistência Socialista” 

O grupo defende um PT ainda mais à esquerda — “militante, socialista, pedagógico, popular, crítico e autocrítico, comprometido com a tarefa histórica de resistência e combate ao ultraliberalismo e ao neofascismo”.  

Seu inimigo é a “hegemonia neoliberal”, “que exerce sua força para, em um contexto de crise econômica, restaurar seus níveis de acumulação” e “sustenta o neofascismo, a extrema direita e o reacionarismo”. 

A chapa ainda exige “a punição dos que tramaram contra a democracia, planejaram o golpe, a tentativa de assassinato do presidente Lula, estimularam a ocupação de neofascistas e de todo o tipo de extrema direita na porta dos quartéis e promoveram os atos de vandalismo em 8 de janeiro de 2023”. 

E transforma a ideologia woke em dogma, afirmando que “não há socialismo sem feminismo” e “não há transformação possível no Brasil sem o enfrentamento ao racismo estrutural”. 

“Diálogo e Ação Petista: Virar à Esquerda” 

Esta ala quer arrastar o país para uma era de intervenção estatal, começando pela “revogação das reformas golpistas” (a trabalhista e a previdenciária) e a extinção da escala 6×1 (sem redução de salário). 

Outras reversões dizem respeito às privatizações da Eletrobras, da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) e do Metrô de Belo Horizonte.  

A punição para o ex-presidente Jair Bolsonaro e “os generais golpistas” também faz parte do documento, que pede “cadeia para o general José Belhan, responsável pelo desaparecimento de Rubens Paiva”, a desmilitarização das polícias e uma reforma militar (“formação, carreira e privilégios”).

Com relação às questões agrarárias, a corrente petista deseja “retomar as desapropriações de terras e a titulação dos quilombos”, além de revogar a lei que “liberou o uso de agrotóxicos”. 

Consta ainda um campo intitulado “Justiça Fiscal”, no qual são mencionados o imposto sobre grandes fortunas, a taxação das remessas de lucros das multinacionais e a tributação de patrimônio e heranças (sem contar o “fim do ‘calabouço’ fiscal”, como eles mesmo dizem no texto).

“Campo Popular” 

Para esta facção do PT, o capitalismo contemporâneo se encontra numa “crise multidimensional econômica, social, ambiental e civilizatória”. E, para superar esse colapso, a esquerda deve “desmistificar o falso discurso ‘antissistema’ da extrema direita”. 

Como fazer isso? Segundo a chapa, “estabelecendo relações baseadas na solidariedade, sustentabilidade e democracia substantiva”.

“O socialismo do nosso tempo deve combinar planejamento econômico democrático, pluralismo político, autogestão e compromisso ecológico para disputar a indignação popular hoje capturada por discursos reacionários”, diz o documento.

Ainda de acordo com o grupo, o atual governo Lula tem “a oportunidade histórica de implementar uma grande estratégia nacional que combine a execução de programas sociais com o fortalecimento das estruturas organizativas da classe trabalhadora e dos setores populares, criando um ciclo virtuoso entre ação governamental e mobilização social”. 

Traduzindo: O PT deve usar as políticas públicas como ferramenta de doutrinação política e controle social. 

“Derrotar a Extrema-Direita e Avançar na Construção de um Novo Brasil” 

Estava demorando para aparecer o encantamento com a China, mas esta ala faz questão de trazê-lo à tona. Segundo sua tese, a pandemia comprovou o “fracasso histórico do neoliberalismo”, e somente a forte intervenção do Estado, em especial nos moldes da ditadura chinesa, é capaz de superar esse tipo de emergência em escala global. 

Outro ponto de destaque é o controle estatal da energia, justificado pelo alarmismo climático. “O aquecimento global nos confronta com uma realidade alarmante: inundações devastadoras, secas severas, tempestades violentas e mudanças climáticas extremas. Nossas políticas energéticas não podem depender exclusivamente do mercado. O reconhecimento global é claro: sem uma ação estatal firme, a transição energética será lenta e ineficaz”, diz o texto.

Em outra frente, a corrente propõe uma espécie de engenharia social forçada, na qual a cultura woke é imposta como “política transformadora”. De acordo com o documento, a construção de “um novo Brasil” exige “a emancipação das maiorias e minorias discriminadas: as mulheres, a população negra, os povos indígenas, a comunidade LGBTQI+, a juventude”. 

O texto ainda milita pelo aborto, ainda que não recorra à palavra propriamente dita — “A defesa da autonomia das mulheres em suas decisões, inclusive sobre seus corpos, seus territórios e suas campanhas, é parte inegociável de um projeto popular e emancipador”. 

Quanto ao objetivo que dá nome à chapa, a tese recomenda o seguinte receituário: “educação midiática”, “combate às notícias falsas”, “travar e vencer a batalha político-cultural”, “politizar a sociedade para agregar em torno do governo as vitórias” e “enfrentar não só os neofascistas, mas também todos os neoliberais, inclusive aqueles que estão dentro do nosso governo e que dificultam a implementação do programa”. 

“Muda PT, Lutar É o Caminho” 

O conceito, aqui, é praticamente um só: apenas o socialismo salva. 

Para esta corrente, “as ideias de liberdade, igualdade e democracia somente serão possíveis com a construção de uma sociedade socialista”. “Teremos um destino melhor somente se os modelos econômicos e políticos do capitalismo forem derrotados”, afirma o texto protocolado. 

A chapa fala em “radicalização da democracia” e “superação do sistema” — um papo revolucionário com ares de desprezo pelos processos democráticos tradicionais. 

Ou não soa estranha a proposta de apostar na mobilização das bases para “oferecer governabilidade social ao governo Lula”? “Precisamos voltar a ter um pé nas instituições e outro na organização popular, desencadeando uma legítima e forte pressão, de fora para dentro, sobre o Congresso e o Poder Judiciário”, diz a tese.

O dado curioso fica por conta da menção ao presidente americano Donald Trump. O grupo começa criticando o republicano, cujo governo “imprime uma agenda de violências contra as classes trabalhadoras, as mulheres, os negros e latinos, toda a diversidade sexual e de gênero”. 

Mas, por outro lado, quase elogia o “tarifaço” de Trump, sugerindo que a medida “destrói a ideia de que o ‘mercado se autorregula’ e ‘governo bom é governo que não interfere’”. 

Edinho Silva, Romênio Pereira (canto esquerdo), Rui Falcão e Valter Pomar (canto direito): candidatos à presidência do PT participaram de um debate em Recife (PE) no último dia 3.Edinho Silva, Romênio Pereira (no canto esquerdo), Rui Falcão e Valter Pomar (no canto direito): candidatos à presidência do PT participaram de um debate em Recife (PE) no último dia 3. (Foto: PT-PE/Henrique Lima)

“A Esperança É Vermelha” 

O grupo acredita que não existirá uma democracia verdadeira no Brasil enquanto a classe trabalhadora não controlar os três poderes, os meios de comunicação e as empresas. Estas instâncias, segundo seu documento, estão sob o comando da “classe dominante”, que usa a “extrema-direita neofascista e a direita tradicional” como seus representantes políticos. 

O texto também insiste na revisão completa da política econômica, “alterando a meta de inflação, reduzindo os juros e deixando de lado a meta do déficit zero”. Ou seja: levando o país a uma gestão fiscal irresponsável. 

Outra bandeira da turma é uma reforma estrutural das Forças Armadas, para torná-las capazes de defender a soberania nacional daqueles que desejam transformar o Brasil em “quintal” (especialmente os EUA, claro). Nesse sentido, a chapa acredita ser fundamental retomar a política de integração regional com a América Latina e o Caribe — “por exemplo, ajudando Cuba e Venezuela na luta contra o bloqueio”. 

A corrente chega a propor uma “revolução organizativa” dentro do próprio PT, para garantir o controle absoluto da legenda sobre seus filiados eleitos democraticamente. 

“O PT não pode continuar dependente, subordinado e tutelado por governos e mandatos parlamentares, especialmente de deputados estaduais e federais, que muitas vezes subordinam a estratégia do partido a seus interesses eleitorais particulares.” 

Somos Todos PT em Movimento 

Aqui aparece o termo preferido dos entusiastas da Rússia e da China: “multipolaridade”. 

Segundo o grupo, o mundo passa por uma transformação histórica, “marcada pelo declínio da hegemonia estadunidense e pelo surgimento de uma nova ordem multipolar”. Nesse cenário, o bloco dos Brics surge com um uma alternativa que desafia a governança global ocidental. 

“Alguns analistas já denominam os Brics de ‘nova maioria mundial’”, diz o documento da chapa, que atribui os conflitos na Ucrânia e na Palestina a uma “estratégia do caos” promovida pelos americanos (outro conceito bastante usado pelos supostos especialistas em geopolítica anti-EUA). 

“É fundamental compreender que tanto o conflito na Ucrânia — alimentado pela expansão irresponsável da Otan rumo às fronteiras russas —, quanto o genocídio palestino integram a ‘estratégia do caos’, arquitetada pelos Estados Unidos e seus aliados.” 

Para completar, a ala dá sua contribuição ao esforço, recorrente nas teses apresentadas, de relativizar a democracia. “O cerne de nossa proposta reside na construção de um novo modelo nacional que transcenda os limites da democracia liberal formal, avançando para uma democracia substantiva e radical.” 

A Força da Militância com Edinho e Lula 

De acordo com esta chapa, não basta ser esquerdista: é preciso organizar grande uma força internacional ligada a esse campo político para fazer frente aos avanços da “ultradireita”.

O grupo também flerta com a censura e o controle estatal sobre os meios de comunicação. “A hegemonia midiática é o veneno da democracia. Lutamos por uma regulação urgente que limite a concentração de propriedade de veículos, direcione verbas públicas para mídias comunitárias e criminalize a desinformação como arma de guerra política”, afirma sua tese.

Há, por fim, uma divertida coleção de clichês woke/progressistas incluídos num projeto intitulado “Justiça social como revolução cotidiana”. Trata-se, segundo o texto protocolado, de um conjunto de “políticas concretas” para resolver os problemas estruturais do Brasil. 

A saber: “reforma agrária efetiva, taxação de grandes fortunas, biodiversidade como patrimônio dos povos tradicionais, criminalização do ecocídio, formação engajada e um sistema de cotas que inclua negros, indígenas e LGBTQIAP+ nos espaços de poder” — um pacotaço para esquerdista nenhum colocar defeito.

noticia por : Gazeta do Povo

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