22 de fevereiro de 2025 - 17:04

Anna Muylaert mostra mãe altiva das ruas de São Paulo no Festival de Berlim

Em “A Melhor Mãe do Mundo“, a diretora Anna Muylaert filma São Paulo de cima. Na via de grande circulação, aos poucos vai chamando a atenção uma carroça que insiste em se manter no meio do trânsito. A cena cotidiana da maior metrópole da América do Sul ganha outro significado. Fica mais evidente o absurdo de haver uma pessoa a pé competindo com aqueles carros. E, no caso, uma mulher.

Cineasta de “Que Horas Ela Volta“, que deu a ela o prêmio do público no Festival de Berlim, há dez anos, Muylaert volta à capital alemã com outra mãe, personagem frequente de sua produção, marcante também no longa “Durval Discos“, lançado em 2002.

Depois da resignada empregada de Regina Casé, a puxadora de carroça e recicladora interpretada por Shirley Cruz é altiva.

Gal vai deixar o marido abusivo e carregar os dois filhos na fuga para Itaquera, onde mora a prima que pode dar guarida a ela. Uma aventura, inventa a mãe para a prole assustada. O trajeto vira quase um documentário, na descrição de Muylaert. Durante as filmagens nas ruas paulistanas, personagens reais brotavam nas locações e iam para a cena, “em plano, contraplano, plano geral”. “Isso só acontece [filmando] na rua”, afirma a cineasta.

A nova mãe de Muylaert é mais forte. “Apesar da situação difícil, ela tem autoestima”, diz ela, que montou sua personagem a partir de mulheres reais encontradas em cooperativas de reciclagem.

“Elas são muito interessantes. É pobreza, mas tem vida. Ganham dois salários mínimos. Há toda uma economia em volta do lixo”, continua Anna Muylaert.

O retrato é bem diferente do polêmico conteúdo encontrado em livro didático alemão, denunciado por pais expatriados na última semana. Um menino, descrito como brasileiro em uma das lições, diz procurar comida no lixo. A embaixada do Brasil em Berlim protestou. Para Muylaert, há no olhar estrangeiro uma curiosidade. “Eles querem ver a realidade”, diz, lembrando que festivais como a Berlinale são mais sensíveis a temáticas cruas, como a miséria.

As mulheres que tocam a economia do lixo também surpreenderam Shirley Cruz. “Fortes, inteligentes, limpas, visíveis. Somos todas Gal”, brinca a atriz, que conviveu com várias recicladoras para se preparar para o papel.

Sua experiência pessoal também contou. “Sou uma mulher preta. Não sou periférica, mas sou suburbana, do Rio. Infelizmente, já sofri. Quer dizer, felizmente, sou sobrevivente de uma tentativa de feminicídio”, afirma.

Cruz tinha acabado de dar à luz uma menina pouco antes das filmagens. “Acho que foi um chamado”, diz a atriz e roteirista, que já dirigiu um documentário sobre mulheres vítimas de maridos e companheiros. “A Gal é maravilhosa porque não é uma mulher pobre e coitada. Você não vai ver esse corpo preto estendido no chão. É quase leve, é possível dizer isso. Eu já fiz algumas mães maravilhosas na televisão, no cinema e nas séries, mas eu fiz a Gal sendo mãe de verdade.”

O domingo em Berlim teve ainda o lançamento de “O Último Azul”, de Gabriel Mascaro, que está na competição oficial. São 13 produções nacionais na Berlinale, momento que Muylaert vê com otimismo controlado.

“Acho que alguém tem que dar um nome, historiografar esse novo momento, porque a retomada que a gente chama vai de 1995 até o golpe da Dilma. Aí cai, deixa de ser retomada, vira um buraco.”

“Agora, nove anos depois, está começando um aquecimento com essa indicação para o Oscar do Walter Salles”, afirma a diretora, ponderando que o filme do colega tem um orçamento fora da curva do cinema nacional.

“É um momento de abertura, de esperança, dependendo muito das políticas públicas daqui para frente”, diz a diretora, que pela primeira vez filmou sem edital. “Foi diferente. Há um cinema corporativo se impondo, batendo de frente com o cinema independente, que é mais democrático.”

Mascaro também defendeu o financiamento público para os filmes. “O cinema brasileiro foi atacado durante o governo Bolsonaro. O país superou isso, estamos começando a aparecer de novo.”

noticia por : UOL

Ouvir Band FM

--:--
--:--
  • cover
    Band FM 99.3

LEIA MAIS