O dia de sua posse também foi marcado por uma tentativa deliberada de rescrever a história, com sinalizações de um perdão aos invasores do Capitólio, em 2021, a insistência em classificar a eleição de 2020 como “roubada” e se posicionar como aquele que defenderá o “sentido comum” contra o radicalismo das alas progressistas da sociedade.
Reinaldo Azevedo
O discurso de posse de Donald Trump é uma caricatura do populismo autoritário de extrema-direita. É muito mais primitivo e previsível do que parece à primeira vista. Remeto os leitores a um pequeno e precioso livro de Raoul Girardet, que morreu em 2013, intitulado “Mitos e Mitologias Políticas” (1986). Nas suas 200 páginas da edição brasileira (Companhia das Letras -1987), Girardet antecipou, com 39 anos de antecedência, a impostura trumpiana. Por quê? Todo candidato a autocrata precisa, sustenta o autor, apostar em quatro mitos políticos: 1) “a conspiração”; 2) “o salvador”; 3) “a idade do ouro” e 4) “a unidade”. As palavras vão entre aspas porque são nomes de capítulos do livro.
Não foi precisamente o que fez Trump? Os conspiradores, reunidos no governo Biden, teriam destruído “a América”. Literalmente: “Durante muitos anos, o sistema radical e corrupto extraiu poder e riqueza dos nossos cidadãos”. Ora, só um salvador, com características excepcionais, conseguiria dar uma resposta: “Muitas pessoas achavam que era impossível para mim operar esse retorno histórico. Mas, como vocês veem hoje, aqui estou eu”. E ele volta com que propósito? Para anunciar, e isto é literal em seu discurso, a “idade do ouro”. Estas são as primeiras palavras de seu discurso: “A era de ouro da América começa agora mesmo. Deste dia em diante, nosso país florescerá e será respeitado novamente em todo o mundo. Seremos causa da inveja de todas as nações e não permitiremos que tirem vantagem de nós por mais tempo.” E como ele o fará: prometendo a unidade: “Somos um povo, uma família e uma nação gloriosa sob Deus.”
Ocorre que o caos oriundo da suposta conspiração é falso: os EUA vivem um momento de notável prosperidade econômica. Não havendo o desastre, é evidente que a figura do salvador é uma falácia. A prometida Idade do Ouro, a exemplo de todas elas, em qualquer nação e em qualquer tempo, é uma construção ideológica, que embalou historicamente os discursos fascistas. Sendo assim, não pode haver unidade para a construção dessa mitologia política porque o discurso só é eficaz numa sociedade necessariamente dividida, marcada pela perseguição a adversários. E eles estão listados no discurso inaugural: dos defensores da diversidade às políticas ambientais, passando, claro!, pelos imigrantes. Encenou, com rigor e método, a farsa da extrema-direita.
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