A formação teológica, tradicionalmente compreendida como uma resposta ao chamado ministerial e um pilar essencial para o exercício pastoral, passa por mudanças significativas diante do avanço da tecnologia digital.
A presença crescente da inteligência artificial (IA) no cotidiano, inclusive em ambientes religiosos, tem provocado reflexões entre pastores e educadores cristãos sobre os rumos da preparação ministerial.
Ferramentas como assistentes virtuais, tradutores automáticos, algoritmos de recomendação e plataformas que geram sermões ou simulam aconselhamento pastoral tornaram-se acessíveis e populares. No entanto, líderes zelosos enfatizam que, apesar dessas inovações, a fidelidade às Escrituras e a profundidade nos estudos continuam sendo indispensáveis à formação teológica.
O pastor e professor Wagner Scatamburgo, da Faculdade Evangélica de São Paulo (FAESP), observa que a formação pastoral vive uma transição marcada por dois períodos distintos: antes e depois das redes sociais, agora somadas à influência da IA. “Antigamente, os pastores buscavam conhecimento bíblico com o propósito de edificar a fé da igreja, estruturando-a doutrinária e espiritualmente”, afirmou. Ele acrescenta que “hoje, muitos utilizam esse conhecimento como forma de performance, buscando seguidores e relevância digital”.
Segundo Scatamburgo, essa mudança de enfoque tem desviado parte da liderança cristã do propósito central do ministério. “A intenção era ganhar almas para Cristo, mas muitos buscam associados para seus próprios interesses, como vemos em Atos 8.18-20”, disse.
Esgotamento dos seminários
Outro ponto levantado por Scatamburgo é o esvaziamento dos seminários teológicos. Ele associa esse fenômeno à popularização de conteúdos prontos oferecidos por aplicativos e plataformas de IA. “Muitos líderes optam por não investir tempo na leitura bíblica nem na oração. Adotam um modelo mais próximo do coaching motivacional e negligenciam a suficiência das Escrituras, como Paulo adverte em 2 Timóteo 4.10-15”, afirmou.
Diante dessa realidade, algumas instituições têm revisto seus currículos para incluir disciplinas voltadas ao contexto digital, como ética pastoral nas redes sociais. Ainda assim, o professor defende que o foco deve permanecer na formação bíblica sólida. “O alcance virtual é significativo, mas é preciso preparo para que se promova o Reino de Deus, e não apenas visibilidade pessoal”, ressaltou.
Oferta ampla, compromisso escasso
O pastor Acyr de Gerone Junior, doutor em teologia, integrante da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB) e professor da Faculdade Vitória em Cristo, no Rio de Janeiro, também observa mudanças na forma como a teologia tem sido ensinada no Brasil. Ele reconhece que a oferta de cursos aumentou, mas alerta para a falta de compromisso confessional em muitas dessas iniciativas.
“Há faculdades ofertando teologia sem nenhum vínculo com a Bíblia, a igreja ou a ortodoxia. Muitos desses cursos priorizam disciplinas estratégicas ou genéricas e oferecem pouco conteúdo bíblico ou sistemático”, declarou.
Acyr destaca que a tecnologia pode ser útil no processo de ensino, mas não deve substituir a essência do conteúdo. “Não podemos confundir forma com conteúdo. A formação teológica precisa priorizar a profundidade bíblica. O ideal é que a tecnologia sirva como apoio, não como substituto do ensino sério e fiel à Palavra”, afirmou.
Ao refletir sobre os caminhos da formação pastoral, Acyr citou uma frase do teólogo inglês John Stott: “Precisamos ouvir a Deus e ouvir o mundo”. Segundo ele, esse equilíbrio entre fidelidade bíblica e capacidade de dialogar com a realidade contemporânea é indispensável.
“Parafraseando Stott, precisamos de fidelidade a Deus sem perder nossa capacidade de compreender e responder ao mundo contemporâneo”, concluiu, de acordo com informações da revista Comunhão.
FONTE : Gospel Mais