17 de março de 2025 - 9:43

Contas banidas em redes nos EUA foram semente de movimento pela 'liberdade de expressão'

Nos meses que se seguiram ao ataque ao Capitólio em Washington, em 6 de janeiro de 2021, cerca de 150 mil contas nos EUA foram bloqueadas no Twitter, hoje X. Os protestos por causa da suspensão de contas na época não foram tão estridentes como as críticas aos bloqueios de perfis nas redes no Brasil após a eleição brasileira de 2022 e os ataques a Brasília em 8 de janeiro de 2023.

Mas as ações das plataformas nos EUA após o 6 de janeiro foram a semente do movimento global da direita em defesa da “liberdade de expressão”. Esse movimento ganhou força no Brasil após o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) banirem centenas de contas em redes sociais, acusadas de espalhar desinformação eleitoral ou incitar ao golpe de estado.

Donald Trump foi banido do YouTube, Facebook, Instagram e X (então Twitter) poucos dias após seus apoiadores invadirem o Capitólio para tentar impedir a certificação da vitória do democrata Joe Biden na eleição presidencial de 2020. Segundo as empresas, ele teria violado as regras de uso com conteúdo com incitação à violência. Além disso, a Amazon (Web Services), a Apple e o Google expulsaram de suas plataformas o Parler, rede social pró-Trump em que se disseminavam informações falsas sobre fraude nas eleições.

Trump protestou em comunicado da Casa Branca, dizendo que o Twitter “estava indo cada vez mais longe em seus esforços para banir a liberdade de expressão” e que se tratava de uma tentativa de silenciá-lo.

Jason Miller, um dos principais assessores de Trump na época, disse que a suspensão era “revoltante” e que as big techs queriam “cancelar” os 75 milhões de eleitores que haviam votado em Trump.

Os expurgos de contas continuaram. Em março de 2021, segundo a CBS News, o Twitter informou que havia suspendido 150 mil perfis que estariam disseminando informação falsa sobre fraude na eleição. Dois aliados de Trump, o ex-assessor de segurança nacional Michael Flynn e a advogada Sidney Powell estavam entre os banidos.

Nos dez dias que se seguiram à suspensão do republicano nas redes, em 2021, acusações falsas e menções a fraude eleitoral nas diversas redes sociais caíram 73%, segundo levantamento da Zignal Labs na época.

O degredo digital de Trump tornou-se uma bandeira para os conservadores que acusavam um movimento coordenado entre as big techs e governos progressistas para supostamente silenciar vozes da direita.

A primeira resposta veio na forma de legislação em estados governados por republicanos.

Em maio de 2021, o governador republicano Ron DeSantis, da Flórida, sancionou uma lei que proibia as redes de banirem candidatos a cargos públicos e de “esconderem” suas publicações. “Muitos em nosso estado já sofreram com a censura e com outras tiranias em Cuba e na Venezuela. Se os censores das big techs aplicarem suas regras de forma inconsistente, para discriminar a favor da ideologia dominante do Vale do Silício, agora serão responsabilizados”, disse DeSantis à época.

A lei acabou derrubada pela Justiça e chegou até a Suprema Corte, que, no ano passado, remeteu a ação de volta para análise nas instâncias inferiores.

Em setembro de 2021, o então presidente Jair Bolsonaro seguiu os passos dos conservadores americanos. O governo baixou uma medida provisória que impedia as redes sociais de removerem conteúdos ou contas que violassem as normas de uso das plataformas. O Congresso devolveu a MP ao governo.

Trump processou Facebook, Twitter e Google em julho de 2021 por seu banimento, afirmando que era vítima de censura e que as empresas haviam violado sua liberdade de expressão garantida pela Primeira Emenda da Constituição americana.

O texto, que veda censura do governo contra cidadãos e empresas, não se aplica a decisões empresariais. A iniciativa de suspender as contas de Trump e outros veio das próprias plataformas de internet, após pressão da sociedade civil e de aliados de Biden, e não da Justiça, como no caso brasileiro.

Poucos dias após a vitória de Trump na eleição presidencial de 2024, já ficou claro que a defesa da liberdade de expressão seria central na propaganda do governo. Elon Musk republicou um vídeo em que Trump dizia: “Precisamos destruir a tóxica indústria da censura que surgiu sob o disfarce de combate à desinformação”.

Musk já havia restabelecido a conta de Trump menos de um mês após assumir o controle do Twitter (X), em novembro de 2022. A Meta havia anunciado em janeiro de 2023 a readmissão do então ex-presidente, e o YouTube reativou o seu canal em março do mesmo ano.

Após Trump ser eleito, as big techs foram mais longe. A Meta anunciou que deixaria de remover inúmeras publicações antes proibidas e não teria mais checagem de fatos. A empresa também fez um acordo com o presidente para encerrar o processo movido por ele após ter sido banido, pagando US$ 25 milhões (R$ 150 milhões).

Já no primeiro dia de seu mandato, Trump baixou um decreto proibindo funcionários do governo de se envolverem com iniciativas que “restringem a liberdade de expressão de qualquer cidadão americano”.

Após intenso lobby do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) com legisladores trumpistas, republicanos voltaram suas atenções a supostas violações de liberdade de expressão no Brasil.

Durante a campanha eleitoral de 2022 e após os ataques em Brasília em 2023, o STF e o TSE determinaram o bloqueio de inúmeras contas e remoção de posts. As tensões se acirraram após o ministro Alexandre de Moraes determinar, em agosto de 2024, o bloqueio do X no Brasil pela recusa da empresa em cumprir ordens judiciais (inclusive de bloqueio de contas).

O X ficou fora do ar por 38 dias no país no ano passado, até a plataforma pagar as multas no valor de R$ 28,6 milhões que foram aplicadas, cumprir as decisões de Moraes e indicar um representante legal no Brasil.

Deputados republicanos reintroduziram um projeto de lei, apelidado de “Sem Censores em Nosso Território”, que proíbe a entrada de agente estrangeiro que infrinja o direito de liberdade de expressão dos cidadãos dos Estados Unidos. O projeto foi aprovado, no mês passado, no comitê judiciário da Câmara dos Estados Unidos.

Em ofício convocando as big techs a falarem no Congresso, os deputados deixaram claro seu objetivo. “Empresas americanas estão soando o alarme sobre como a censura estrangeira prejudica as liberdades civis americanas. O X resistiu a ordens judiciais arbitrárias no Brasil e na Austrália que exigem a remoção global de conteúdo”, dizia trecho do documento enviado às empresas, como mostrou a Folha.

O Departamento de Estado também se pronunciou. O escritório do Hemisfério Ocidental do departamento, em publicação no X, disse que “bloquear o acesso à informação e impor multas a empresas sediadas nos EUA por se recusarem a censurar pessoas que vivem nos Estados Unidos é incompatível com os valores democráticos, incluindo a liberdade de expressão.” O departamento se referia ao bloqueio do Rumble no Brasil, por decisão de Moraes, após a plataforma se negar a bloquear o blogueiro Allan dos Santos.

As advertências dos EUA em relação a suposta censura não se restringem ao Brasil. Brendan Carr, presidente da Comissão Federal de Comunicações americana, disse que a Lei de Serviços Digitais europeia, que exige ações em relação a determinados conteúdos online, “é incompatível com a tradição de liberdade de expressão na América”.

O vice-presidente americano, JD Vance, já havia chocado europeus com seu discurso na Conferência de Segurança de Munique, em fevereiro, em que passou uma descompostura na União Europeia por, supostamente, censurar conteúdo e políticos conservadores.

Mas enquanto os EUA elegem a liberdade de expressão como mote no mundo, em casa o governo Trump vem impondo restrições à imprensa e a vozes críticas. Limitações ao acesso da agência Associated Press (AP) à Casa Branca, uso de agências governamentais para pressionar veículos críticos e a remoção de conteúdos vetados dos sites do governo apontam para um uso seletivo da defesa da liberdade de expressão.

noticia por : UOL

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