6 de março de 2025 - 19:15

Como Mário de Andrade, sempre original, curtiu as delícias do Carnaval do Rio

Em fevereiro de 1923, Mário de Andrade passou o Carnaval na cidade do Rio de Janeiro. Deixou de visitar em Petrópolis o amigo e poeta Manuel Bandeira e caiu na folia carioca. Após semanas de hesitação, muito sem jeito, escreveu uma “originalíssima” carta com pedido de desculpas:

“Meu Manuel… Carnaval!… Perdi o trem, perdi a vergonha, perdi a energia… Perdi tudo. Menos minha faculdade de gozar, de delirar… Fui ordinaríssimo. Além do mais: uma aventura curiosíssima. Desculpa contar-te toda esta pornografia. Mas… que delícia, Manuel, o Carnaval do Rio! Que delícia, principalmente, meu Carnaval! […] Meu cérebro acanhado, brumoso de paulista, por mais que se iluminasse em desvarios, em prodigalidades de sons, luzes, cores, perfumes, pândegas, alegria, que sei lá!, nunca seria capaz de imaginar um Carnaval carioca, antes de vê-lo. Foi o que se deu. Imaginei-o paulistamente. Admirei repentinamente o legítimo carnavalesco, o carnavalesco carioca, o que é só carnavalesco, pula e canta e dança quatro dias sem parar. Vi que era um puro! Isso me entonteceu e me extasiou. O carnavalesco legítimo, Manuel, é um puro. Nem lascivo, nem sensual. Nada disso. Canta e dança. Manuel, sem comprar um lança-perfume, uma rodela de confete, um rolo se serpentina, diverti-me 4 noites inteiras e o que dos dias me sobrou do sono merecido. E aí está porque não fui visitar-te. Estou perdoado.”

É plausível a longa reprodução do trecho desta carta de Mário de Andrade a Manuel Bandeira, do livro “Correspondência: Mário de Andrade & Manuel Bandeira” (EDUSP).

As delícias do Carnaval carioca, passados por Andrade no centro da cidade do Rio, entre a Lapa e a Praça Onze, esse Rio antigo do início da década de 1920, são desses fatos que só corroboram que o Carnaval é realmente uma festa popular desde os seus primórdios e contagia a todos.

Mário de Andrade conheceu de perto a efervescência do Carnaval carioca, o agito das ruas, algumas das suas principais sociedades carnavalescas, a exemplo do “Fenianos” e do “Democráticos”, embrião das escolas de samba como a conhecemos hoje.

Certamente data desse período o contato do modernista com a mãe de santo e sambista Hilária Batista de Almeida, conhecida Tia Ciata, citada no clássico “Macunaíma”, romance publicado em 1928.

Todas estas citações de Carnaval e do Mário de Andrade são para lembrar que o poeta e escritor morreu há exatos 80 anos, de infarto, na capital de São Paulo, sua terra natal. Tinham transcorridos apenas doze dias do Carnaval, que ele provavelmente ainda festejou. Não era o mesmo Carnaval da cidade maravilhosa que o desviou de visitar o amigo Manuel Bandeira na serra. A folia da “pauliceia desvairada” tinha outra animação, era menos agitada do que de costume.

Mas nosso Andrade, o morto octogenário, não se contentou em pedir desculpas apenas por missiva. No mesmo ano de 1923, dedicou longo poema “Carnaval Carioca”, ao amigo e confidente. Em um dos versos, Mário se diz “um tupi tangendo um alaúde”, e se define: “Sou dançarino brasileiro!/ Sou dançarino e danço!/ E nos meus passos conscientes/ Glorifico a verdade das coisas existentes/ Fixando os ecos e as miragens.”

Mário de Andrade sabia como pedir desculpas.


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noticia por : UOL

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