23 de fevereiro de 2025 - 8:23

Especial sobre Ucrânia: 3 anos de guerra, perdas e dor, mas também solidariedade e esperança

Em 24 de fevereiro de 2022, milhões de pessoas na Ucrânia despertaram ao som de explosões. Para alguns, os estouros eram tão próximos que aparentavam a uma guerra embaixo de suas janelas.

Três anos depois, a Ucrânia segue sendo alvo de ataques diários. O pessoal das Nações Unidas no país vive a guerra, assim como os demais ucranianos, na tentativa de assistir a quem precisa durante esse difícil momento.

A manhã de fevereiro em 2022

“Este dia, 24 de fevereiro, não é um dia fácil de relembrar”, diz Natalia Datchenko, que trabalha para o Unicef, na Ucrânia. Falando à ONU News, por vídeo, da capital do país, Kyiv, ela tentar conter as Lágrimas enquanto detalha o trabalho dos últimos três anos. “Eu tento não chorar, mas não consigo. Ainda bem que tenho alguns lenços aqui.”

Estranhamente, ao lado do choque e da ira daquela manhã trágica, ela também se sentiu energizada. “Eu sabia, muito claramente, que eu queria ajudar e proteger as pessoas. Eu sabia que eu tinha que fazer alguma coisa.”

Com a continuação da guerra, a liderança do Unicef instruiu os funcionários a priorizar sua própria segurança e a de suas famílias antes de retomar o trabalho. Natalia conta que foi evacuada com a família para a cidade de Lviv. Ela conta que ao chegar, viu famílias sentadas no chão gelado da estação por falta de espaço. Fazia frio de um inverno rigoroso.

Uma outra funcionária, que trabalha na ONU Mulheres, morava perto do aeroporto de Kyiv. Lyudmyla Kovalchuk lembra que o local foi atacado logo no início da guerra, numa situação surreal para quem viu tudo de muito perto.

Natalia Datchenko, funcionária da Unicef Ucrânia. Com a continuação da guerra, a liderança do Unicef instruiu os funcionários a priorizar sua própria segurança e a de suas famílias antes

Natalia Datchenko, funcionária da Unicef Ucrânia. Com a continuação da guerra, a liderança do Unicef instruiu os funcionários a priorizar sua própria segurança e a de suas famílias antes

Vida que segue

Três anos depois, Lyudmyla se recorda da exaustão, mas reconhece que a vida e o trabalho continuam. As mulheres na Ucrânia precisam do apoio da ONU nas áreas psicológica, jurídica, logística e financeira. Muitas ucranianas estão criando seus filhos sozinhas, buscando novos trabalhos para apoiar suas famílias e se mudando constantemente para protegê-las da guerra. Cerca de 70 mil ucranianas estão servindo ou trabalhando para as Forças Armadas. É um grupo que precisa de apoio especializado.

Nessa nova forma de atuar, a ONU Mulheres sempre checa se existe um abrigo ou bunker nos arredores em caso de ataque, ao marcar reuniões com parceiros, a agência tampouco organiza eventos longos por causa do risco de bombardeios no que tem sido uma experiência inestimável.

Uma outra funcionária da ONU Mulheres, Anastasia Kalashnyk, morava em Zaporizhzhia. Há dois anos, ela se mudou para a capital Kyiv com a família. “Após  24 de fevereiro de 2022, meus filhos pararam de frequentar a creche e as escola, e meu marido ficou desempregado. Ele trabalhava para uma empresa que fechou as portas imediatamente após a invasão da Rússia e abandonou a Ucrânia.”

Anastasia conta que a carga de trabalho aumentou de forma drástica. Desde 2017, ela era responsável por atuar com autoridades locais em ajuda de emergência. O foco eram mulheres nas regiões de Zaporizhzhia, Luhansk and Donetsk. Com o início da Guerra, muitas tiveram que fugir de suas casas.

Ela lembra que o mais difícil foi ouvir a histórias dessas mulheres e como elas escaparam a violência nos territórios ocupados e o que aconteceu com os maridos delas que foram para a guerra.

Para atender a essas pessoas traumatizadas, a ONU Mulheres criou um espaço seguro para elas. São centros que dão apoio, conectam as mulheres na mesma situação para que elas possam trocar experiências e encontrar um alívio para sua dor. Um desses exemplos é a ucraniana Elena que chegou ao centro sob terrível trauma, mas aos poucos se reergueu e hoje é uma ativista que ajuda outros.

As famílias esperam para partir de Zaporizhzhia para outras partes da Ucrânia, em setembro de 2022.

As famílias esperam para partir de Zaporizhzhia para outras partes da Ucrânia, em setembro de 2022.

O custo da guerra

Segundo o Escritório de Coordenação das Nações Unidas para Assuntos Humanitários, Ocha, até fevereiro de 2025, mais de 12,6 mil civis haviam sido mortos e mais de 29 mil feridos na guerra. Pelo menos 2,4 mil crianças estão entre esses mortos e feridos.

Milhões de pessoas vivem sob constante medo, os ucranianos que moram nos territórios ocupados enfrentam restrições e acesso limitado à ajuda humanitária. O Ocha lembra que uma geração inteira de ucranianos está crescendo em tempos de guerra. E que ataques constantes contra a infraestrutura estão aprofundando a crise.

Mais de 10% do parque habitacional da Ucrânia foram destruídos ou danificados deixando pelo menos 2 milhões de famílias sem abrigo adequado. Mais de 3,6 mil escolas e universidades foram atacadas, forçando centenas de milhares de crianças ao aprendizado a distância.

A continuação dos ataques contra o sistema de energia após três invernos consecutivos deixou muitas cidades sem eletricidade, aquecimento e serviços essenciais em condições congelantes. Um total de 12,7 milhões de pessoas precisam de ajuda humanitária.

Esperanças para o futuro

Em meio a esta tragédia, existe algum espaço para esperança? “Sim” dizem as mulheres entrevistadas pela ONU News. Anastasia lembra que tudo que aconteceu foi exaustivo, mas os filhos dela são a razão dessa esperança para o futuro. Ela afirma que o que as crianças estão vivendo nesse momento é injusto, não apenas para os filhos dela, mas para todas as famílias ucranianas.

Uma outra fonte de esperança é a solidariedade demonstrada pela ONU e outras organizações. Anastasia valoriza o fato de elas não terem abandonado o país, mas terem ficado em meio à guerra e continuado com o apoio. Segundo ela, as agências humanitárias têm trabalhado lá por vários anos e agora já falam de reconstrução. E é essa discussão sobre o futuro que lhe enche de esperança.

Já Natalia, do Unicef, discorre sobre união e solidariedade. Segunda ela, no início da guerra, todos estavam unidos pela raiva e todos carregavam o mesmo peso, a mesma dor. Mas hoje, a raiva não é mais a principal força nessa equação. Agora, existe uma união pelo desejo de reconstruir o país, de restaurar suas comunidades, apoiar as famílias, não como era antes da guerra, mas ainda melhor. O que se quer, é deixar o legado soviético para trás e criar uma nação verdadeiramente nova, fundada sob os ditames dos direitos humanos.

Natalia afirma que o trabalho dela lhe confere esperança. “Eu tive uma oportunidade única de reavaliar velhos programas, criar novos, escutar a voz dos mais vulneráveis, direcionar recursos onde eles são mais necessários, e chegar a um denominador comum com setores diferentes e criar o melhor para aqueles que precisam.” Ela é grata a colegas de outros países que ficaram na Ucrânia para apoiar o país. “Eu acredito que trabalhar para o Unicef me ajudou a sobreviver. Isso ainda é a minha estratégia de sobrevivência.”

Milana, de sete anos, segura sua querida boneca, Omelka, perto do peito no pequeno quarto que sua família agora divide depois de fugir de Myrnohrad, na região de Donetsk, na Ucrânia.

Milana, de sete anos, segura sua querida boneca, Omelka, perto do peito no pequeno quarto que sua família agora divide depois de fugir de Myrnohrad, na região de Donetsk, na Ucrânia.

Cultura como inspiração e sobrevivência

Natalia também encontra consolo na cultura. “Eu busco inspiração e motivação na beleza que ainda existe na Ucrânia. Nossos museus estão abertos, os concertos seguem sendo realizados, a música está viva. Para muitos, a cultura é uma estratégia de sobrevivência”, conta.

Hoje, muitos ucranianos estão buscando seus próprios caminhos para sobreviver. “Um dos maiores desafios que enfrentamos é nosso trabalho e o fardo psicológico, não apenas de apoiar-nos a nós mesmos, mas também a nossos colegas”, afirma Lyudmyla. “Recentemente, um irmão de um dos nossos colegas desapareceu. Às vezes, é incrivelmente difícil encontrar as palavras certas para confortar alguém, mas ao mesmo tempo, nós trabalhamos com gente, mulheres e meninas afetadas pela guerra, que precisam do nosso apoio.”

“Temos que nos tornar mais fortes”

“Mas por outro lado, quando você enfrenta uma tragédia após a outra, uma crise após a outra, você começa a se sentir mais forte e mais experiente. Existe um ditado que diz: ‘O que não nos mata, nos faz mais fortes.’. “Talvez seja verdade. Mas eu sempre direi: Eu não queria ter a experiência que tenho agora (da guerra). Mas eu não tive escolha, eu tinha que passar por isso.”

FONTE : News.UN

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