23 de fevereiro de 2025 - 5:10

Como o criador da Domino’s fundou uma universidade católica e uma cidade nos EUA

Quem chega ao centro da cidade planejada de Ave Maria, no sul da Flórida, encontra uma praça central ocupada pelo Oratório, um templo de 2.400 metros quadrados, construído em pedra, aço e vidro, no estilo das catedrais europeias medievais. O espaço abriga 1.100 pessoas e recebe sete missas diárias.

Os fiéis que entram no edifício se deparam com uma estátua de 27 metros de altura, retratando a Anunciação de Maria, o momento em que o Arcanjo Gabriel anuncia a ela que será mãe do filho de Deus. A igreja foi construída de maneira que, todo dia 25 de março (na tradição católica, a data do anúncio da missão de Nossa Senhora), os raios do sol penetram um vitral ao fim da tarde. É uma das festas mais disputadas do calendário da cidade. As pessoas chegam à igreja três horas antes e rezam o terço em espera do início.

Para Tom Monaghan, que bancou a construção do templo, esta também é a data mais importante do ano. “O dia 25 de março é, segundo a tradição, a data da criação do mundo, bem como da primeira Sexta-Feira Santa e, claro, da encarnação de Jesus Cristo no ventre de Maria no momento da Anunciação. Sendo pró-vida, reconheço que a vida começa na concepção. Portanto, num sentido muito real, a Festa da Anunciação tem de ser ainda mais importante que o Natal”, ele comentou em uma entrevista.

Monaghan orientou também a construção da Universidade Ave Maria, localizada bem diante da praça, com 1200 alunos. Também é obra dele a própria cidade de Ave Maria, um projeto iniciado em 2005, instalado em uma área de dois quilômetros quadrados, a uma hora e meia de carro de Miami e parte da região de Naples. Segundo o censo de 2020, tem 6.242 habitantes, majoritariamente católicos.

A cidade, a universidade e o oratório centralizam todos os esforços do empreendedor para fortalecer a fé. Dinheiro para tamanho investimento não falta: Tom Monaghan é o fundador da Domino’s, a maior rede de pizzas do planeta. Aliás, a logomarca da empresa se mantém a mesma, desde a década de 1960: uma peça de dominó. Mas o nome, na verdade, faz referência ao termo em latim Dominus, que significa “Senhor”.

Órfão de pai

O empreendedor nasceu no Dia da Anunciação de 1937, há quase 88 anos, em Ann Arbor, Michigan. A família de seu pai, Frank, tinha origem irlandesa e católica. A de sua mãe Anna era luterana e com raízes alemãs. Filho mais velho, Tom era uma criança inquieta, com energia que parecia infinita. Ele tinha um amor incondicional por Frank.

“Lembro de correr atrás do meu pai quando tinha uns dois anos. Eu queria estar com ele, aonde quer que ele fosse. Uma vez, meu pai queria passear de carro comigo, minha mãe não concordou. Subi no para-choque traseiro e fiquei agarrado ali enquanto o veículo andava. Era uma estrada cheia de buracos!” Até que o pai reparou na presença do filho, parou o carro e o resgatou. Foi a primeira e única vez que bateu no garoto.

Ele concedeu o relato por ocasião da produção de uma biografia, o livro Living the Faith – A Life of Tom Monaghan (“Vivendo a Fé – Uma Vida de Tom Monaghan”, sem versão em português), obra do escritor freelancer James Leonard. “Meu pai era meu herói. Era o tipo de pessoa boa, com coração de ouro, capaz de tirar a roupa do corpo para doar a quem mais precisasse. Quando começo a falar dele, começo a chorar”. Com razão: na véspera de Natal de 1941, Frank morreu aos 39 anos, de peritonite, uma infecção abdominal extremamente dolorosa – e que, na atualidade, seria facilmente tratável com penicilina, que há havia sido desenvolvida, mas ainda não estava disseminada. Tom tinha 4 anos. “Lembro da árvore de Natal com um aeroplano em miniatura sob ela”. Ele já tinha um irmão mais novo, James.

“Minha mãe me levou ao funeral e segurou minha mão enquanto caminhávamos na direção do caixão. Não parecia certo o pai estar deitado ali. Larguei a mão dela e me lancei sobre o caixão. Abracei meu pai, chorando e gritando, ‘acorda, papai, acorda!’”. Foi então levado para fora do cômodo. Por anos, especialmente no Natal, o garoto olhava pela janela esperando que o pai voltasse. “’Ele não me abandonaria’, eu pensava”.

A mãe tentou criar os filhos, mas não conseguiu e acabou enviando os dois a um orfanato, enquanto reorganizava sua vida – longos anos depois, terminaria a formação em enfermagem, conseguiria um emprego e resgataria os dois meninos. O orfanato parecia uma prisão, diria Tom em entrevista sobre sua trajetória. O espaço era gerenciado pela ordem das irmãs felicianas, fundada no século 19 em Varsóvia, na Polônia.

A “prisão” deixou lições importantes. As freiras delegavam tarefas aos moradores. A ele cabia fazer a faxina diária da capela, uma experiência que o marcou. “Quando eu passava pelo Santíssimo Sacramento, sentia que era um lugar especial, que Jesus estava lá”, conta no vídeo.

Anos depois, chegou a tentar a formação para o sacerdócio, mas acabou por ser expulso do seminário. Os motivos apontados por seus superiores incluíam falar demais em sala e durante as orações, realizar guerras de travesseiros nos dormitórios e não escrever o suficiente para sua mãe – a relação com Anna, falecida em 1988, nunca foi boa e ele ainda hoje se recusa a falar dela em entrevistas.

Rei do delivery

Em 1956, Monaghan se alistou no Corpo de Fuzileiros Navais, os marines, onde permaneceu até 1959. Retornou a Ann Arbor com pouco mais de 20 anos, quase nenhum dinheiro e poucas expectativas profissionais – o sonho de cursar arquitetura ficou distante diante não apenas da falta de verba, mas das péssimas notas acumuladas ao longo dos anos de formação escolar. Até que seu irmão James sugeriu que os dois comprassem o restaurante DomiNick’s, na cidade de Ypsilanti, em Michigan.

Reuniram o pouco que tinham, fizeram um empréstimo de US$ 900, pagaram US$ 500 ao proprietário anterior, assumiram as dívidas das parcelas dos equipamentos já instaladas e começaram a produzir refeições. Tom se jogou de cabeça no empreendimento: trabalhava mais de 100 horas das 168 horas disponíveis numa semana. Dormia em um trailer e se alimentava de alimentos que não forma vendidos.

Em seis meses, James entregou metade de sua parte em troca do Fusca do irmão. Em 1965, cedeu o resto de sua participação no negócio. Naquele momento, o proprietário, agora único sócio, tinha um plano, que transformaria sua vida e teria impacto direto no mercado de alimentação: focar no delivery de pizzas.

Foi quando a DomiNick’s foi rebatizada Domino’s, com uma logomarca chamativa e uma promessa arriscada: “sua pizza em 30 minutos ou seu dinheiro de volta”. Parecia loucura, mas Monaghan havia passado os cinco anos anteriores planejando esse passo. Primeiro, decidiu focar em pizzas. Depois, criou processos para agilizar o preparo, envolvendo máquinas modernas e funcionários bem treinados. Por fim, passou meses projetando uma embalagem de papelão inédita no mercado, desenhada especialmente para manter a integridade e a temperatura do produto.

A proposta foi bem aceita, a empresa cresceu de forma consistente ao longo dos anos e alcançou o auge na década de 1980. Em 1985, a Domino’s abriu nada menos do que 954 novas lojas, 2,6 por dia. Atualmente, são mais de 20 mil, distribuídas em mais de 90 países, na maior parte dos casos em sistema de franquia. Em 2023, a receita da corporação alcançou US$ 4,48 bilhões. Estima-se que a rede produz 1,5 milhões de pizzas todos os dias. Mas Monaghan não faz mais parte dessa história. Ele vendeu a empresa em 1998, por R$ 1 bilhão, para seguir outro sonho, muito mais importante para ele.

Cidade católica

A cidade de Ave Maria é diferente. As farmácias não vendem quaisquer métodos anticoncepcionais. Não existe incentivo algum à pornografia. Não há sex shops. Mas existem bares e espaços para shows. Em muitos deles, é servida, gratuitamente, uma cerveja por pessoa, não mais do que isso. As ruas e avenidas, assim como as lojas, na maioria, fazem referência a santos católicos. O empresário passa parte do ano lá, em uma quitinete decorada com simplicidade, relata, para o podcast Anima, o padre brasileiro Leandro Rêgo, que mora no município e faz doutorado na universidade local.

“Tom é bastante acessível. Costuma contar que queria ficar rico, conseguiu. Serviu ao país. Casou, teve filhos. Deveria se sentir completo. E ainda assim nada satisfazia seu coração”, diz o sacerdote. “Por volta dos 50 anos de idade, alcançou a conversão”. Fundou em Michigan a Universidade Católica Ave Maria e depois, na Flórida, a Universidade Ave Maria.

“Parece que todo mundo que se mudou para cá tem algum testemunho relacionado à influência de Nossa Senhora”, diz Rêgo, que também atua como capelão de diferentes fraternidades, todas dedicadas à formação de católicos, desde jovens dedicados a evangelizar pelo esporte até homens comprometidos a se tornar bons pais e esposos. “Os carismas são respeitados. Há missas tridentinas, encontros carismáticos, sempre de forma a proporcionar o maior alcance possível à fé católica”, diz o padre, que também relata que todos os cursos, inclusive os de caráter mais técnico, têm aulas de teologia. “São profissionais formados na ética do catolicismo”.

Quanto a Tom Monaghan, ele foi casado com Marjorie Zybach, que conheceu entregando pizzas. A união teve início em 1962, eles tiveram quatro filhos, mas ela faleceu em 2023. Contido em suas aparições públicas, o empreendedor costuma conceder entrevistas a veículos católicos, quando conta, invariavelmente, o momento de virada em sua vida, o ponto em que a fé católica, já bastante consolidada, foi revertida em uma vida dedicada à evangelização e à construção de espaços seguros para o convívio na fé. Em outras palavras, não bastava ser um empreendedor católico. Era preciso ser um católico empreendedor.

Momento da virada

“Sempre li muito, provavelmente um livro por semana, desde os oito anos de idade”, relatou em uma dessas ocasiões. “Uma obra que realmente me ajudou foi Mero Cristianismo, de C.S. Lewis. Havia um capítulo sobre orgulho. Um dos meus defeitos que sempre expressei na confissão foi tentar impressionar as pessoas. Não sei de onde veio isso. Talvez seja por ser pobre, ter muita imaginação, não sei. Mas o capítulo sobre orgulho me atingiu bem no meio dos olhos. Lewis disse que você não quer realizar tanto porque quer mais. Você quer mais do que os outros”.

Ele não conseguiu dormir naquela noite. Lembrou de quando tentou ser atleta na juventude, e se colocava em perigo de lesão para fazer jogadas que levassem as pessoas a elogiarem-no – aliás, entre 1983 e 1992 ele foi dono do time de baseball Detroit Tigers, que se sagrou campeão em 1984, pela primeira vez desde 1968, e pela última até 2006. As reflexões o levaram a tomar uma decisão da qual não se arrependeria.

Em outra entrevista, Tom Monaghan já falou sobre a morte. “O que as irmãs do orfanato me ensinaram foi que o caminho para chegar ao céu é morrer num estado de graça santificadora. Eu tento o meu melhor para viver em um estado de graça santificadora. Deus tem sido muito bom comigo. Desperdicei muito dinheiro e recursos ao longo da minha vida. Tudo o que faço agora no meu trabalho é para o reino de Deus”.

noticia por : Gazeta do Povo

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