Uma milícia rebelde apoiada pela Ruanda anunciou nesta segunda-feira (27) a tomada da cidade de Goma, no leste da República Democrática do Congo, uma grande vitória para o grupo e uma das escaladas mais significativas no conflito entre os dois países nos últimos anos.
O grupo armado, conhecido como M23, ocupou Goma brevemente uma vez, em 2012, depois foi derrotada e ficou inativa por quase uma década. Agora ela voltou com força total, com o objetivo de ocupar a região por um longo período e explorar seus valiosos minerais raros, de acordo com especialistas das Nações Unidas.
Desta vez, o M23 parece estar em uma posição mais forte para manter o controle de Goma, uma cidade formada principalmente por pessoas que abandonaram seus lares em meio ao terror e agora terão que viver sob o domínio de um dos grupos armados dos quais fugiram.
Um porta-voz do grupo anunciou a “libertação da cidade de Goma” em uma publicação no X, dizendo que militares da RDC tiveram que entregar suas armas à ONU e se reunir em um estádio.
Na manhã desta segunda, tiros soaram sobre Goma. Uma fila de veículos militares foi abandonada em uma estrada que atravessa parte da cidade. Os moradores disseram que os soldados da RDC as deixaram ali e fugiram em barcos pelo lago Kivu.
Vídeos em grupos locais de WhatsApp mostram rebeldes marchando pela cidade e alguns cidadãos alinhados nas ruas em sinal de boas-vindas, no que os observadores disseram ser provavelmente uma tentativa de apaziguar a milícia. Circularam ainda relatos de que a prisão de Goma havia sido aberta, e seus detentos, libertados, mas não houve confirmação independente dessa ação.
O conflito no leste da República Democrática do Congo já foi rotulado como a Guerra Mundial da África. Ele vem ocorrendo desde a década de 1990 e envolveu dezenas de grupos armados, dos quais o M23 é atualmente o dominante.
Os rebeldes planejam ocupar e explorar a região a longo prazo, de acordo com a ONU e os Estados Unidos, que afirmam que o grupo é financiado e dirigido por Ruanda, vizinho muito menor da RDC. Ruanda nega essas acusações.
O avanço dos rebeldes sobre Goma, que começou com uma ofensiva na região lançada este mês, aumentou rapidamente nas últimas três semanas. Na manhã de domingo (26), milhares de pessoas chegaram a Goma vindas de áreas ao norte da cidade, algumas carregando os poucos pertences que conseguiram pegar em pedaços de pano amarrados na testa, outras carregando bebês com apenas alguns dias de vida. Muitos já haviam sido deslocados e estavam fugindo de bombas que haviam caído perto dos acampamentos. Outros deixaram seus vilarejos, que foram pegos no fogo cruzado entre o M23 e as Forças Armadas da RDC.
Os acampamentos nos arredores de Goma, que abrigavam mais de 300 mil pessoas, foram completamente esvaziados em poucas horas, informou a ONU.
Na sexta-feira (24), o governador militar de Kivu do Norte, a província da qual Goma é a capital, foi ferido fatalmente no campo de batalha, de acordo com um porta-voz militar. As circunstâncias de sua morte permaneceram obscuras, mas o funcionário disse que o governador, o general Peter Cirimwami, morreu quando estava sendo levado para Kinshasa, a capital da RDC.
Lá Fora
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No sábado (25), a missão de manutenção da paz das Nações Unidas em Goma retirou muitos de seus funcionários da cidade, colocando-os em ônibus para o aeroporto com planos de voar para Entebbe, na vizinha Uganda.
Em 2012, Ruanda foi submetida a intensa pressão internacional para parar de apoiar o M23 e, como resultado, a milícia foi derrotada no ano seguinte. Mas não está claro se essa pressão pode ser convocada novamente, dizem os especialistas. Desde então, Ruanda estreitou suas relações com as nações ocidentais e tornou-se menos dependente de ajuda.
Em uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU no domingo, os EUA e outros membros condenaram as ações de Ruanda, mas não chegaram a pedir sanções. Bintou Keita, chefe da missão de manutenção da paz da ONU na RDC, disse na reunião que três de seus homens foram mortos tentando proteger Goma e uma cidade próxima, Saké, do avanço do M23. Ela também disse que os rebeldes haviam fechado o espaço aéreo sobre Goma. “Em outras palavras, estamos encurralados”, afirmou.
Enquanto os rebeldes avançavam sobre Goma, uma situação humanitária já terrível estava se tornando ainda pior. Mais de 400 mil pessoas fugiram de suas casas desde o início deste ano, de acordo com a agência de refugiados da ONU, pois os rebeldes do M23 atacaram novas áreas da província de Kivu do Norte, onde fica Goma, e de Kivu do Sul. Eles se juntaram a 4,6 milhões de pessoas que já estavam deslocadas no leste do Congo.
E ainda assim, as pessoas chegavam a Goma, muitas vezes em longas filas. Alguns empurravam carrinhos de mão com alguns pertences recuperados. Outras tinham bicicletas ou carregavam colchões na cabeça e nas costas. Muitas delas tinham ferimentos graves, com risco de morte.
Em toda Goma, as escolas estavam sendo transformadas em abrigos para os deslocados. As famílias estavam estocando os suprimentos que podiam para não terem de se aventurar. Muitas das pessoas que fugiram buscaram refúgio em Goma, sabendo que a cidade estava na mira dos rebeldes, mas sem outra opção. Quando a cidade caiu nas mãos do M23, elas se esconderam onde puderam, muitas delas famintas, com frio ou gravemente feridas. Alguns dormiram na rua, outros em hospitais.
Solange Safi Ndakwinja estava tentando cuidar de suas três filhas, que foram gravemente feridas por uma bomba que explodiu em um posto de controle do exército. “Minha esperança é que Deus nos ajude”, afirmou. “Quanto ao resto, não sabemos o que vai acontecer”.
noticia por : UOL