Donald Trump tem o patrimônio, a idade (78 anos) e uma lista de realizações de quem já não possui ambições materiais na vida. Ele tampouco poderá disputar uma nova eleição presidencial. Se faltasse algo, o republicano ainda se livrou da morte e da prisão no mesmo ano. Por isso, ao assumir o cargo de presidente dos Estados Unidos nesta segunda (20), Trump tinha um objetivo central: marcar o seu nome história. O discurso de posse deixou isso claro.
Dois dias antes, a cerimônia foi transferida para o lado de dentro do Capitólio — a justificativa foi o frio de Washington, mas as razões de segurança pesaram.
De certa forma, a estética foi mais adequada ao espírito da cerimônia.
A rotunda do Capitólio (o saguão exatamente abaixo da cúpula de 88 metros de altura) é o espaço público dos Estados Unidos que mais se aproxima de um panteão: o local de arquitetura grandiosa foi projetado para abrigar o túmulo do fundador da república, George Washington. Embora não tenha recebido o corpo do presidente pioneiro, que preferia ser enterrado em sua propriedade, a cúpula se tornou uma espécie de símbolo da grandeza americana — especialmente porque a Casa Branca tem dimensões modestas para o tamanho do poder que abriga.
Enquanto Trump fazia o juramento de posse, atrás dele era possível ver uma pintura histórica do artista John Trumbull. O quadro “O General George Washington Renunciando à sua Comissão” mostra Washington abrindo mão do posto militar para dar início à sua vida civil.
Duas estátuas de mármore completavam o cenário: uma, de Abraham Lincoln. A outra, de Ulysses Grant. Ambos foram presidentes republicanos que ajudaram a reunificar o país em um momento de profunda divisão no século 19. Diante de si, ele via outras duas estátuas de presidentes republicanos que superaram momentos de crise: Ronald Reagan e Dwight Eisenhower.
A ambição de Trump no segundo mandato é se juntar a esse grupo.
A mensagem de Trump na posse: ambição de grandeza
Em 2017, a linha condutora do discurso de posse de Trump foi o protagonismo do povo americano contra os burocratas de Washington. Embora tenha sido eleito com a promessa de “tornar a América grande novamente”, ele fez um pronunciamento mais preocupado com a redução do poder do Estado. “Estamos transferindo o poder de Washington e devolvendo-o a vocês, o povo americano”, ele anunciou, já nos primeiros segundos de sua fala.
Desta vez, a temática foi a grandeza.
“A Era de Ouro da América começa agora”, o republicano anunciou, em uma frase cuidadosamente talhada para abrir o seu discurso.
Ao contrário das falas de improviso de Trump, invariavelmente recheadas de hipérboles, o discurso de posse foi preparado palavra por palavra (e lido de um teleprompter). Nele, o republicano falou explicitamente sobre sua ambição de se juntar ao panteão dos grandes presidentes. “Espero que nossa recente eleição presidencial seja lembrada como a maior e mais importante eleição da história do nosso país”, disse.
Trump deu outros sinais dessa ambição quando evocou, em linguagem quase poética, o passado dos desbravadores que acreditavam cumprir um “destino manifesto” ao conquistar o oeste e expandir as fronteiras do país. O oeste está tomado por completo, mas talvez seja hora de assumir o controle da Groenlândia e do Canal do Panamá. E por que não de outro planeta?
“Os Estados Unidos mais uma vez se considerarão uma nação em crescimento, que aumenta nossa riqueza, expande nosso território, constrói nossas cidades, eleva nossas expectativas e carrega nossa bandeira para novos e belos horizontes. E perseguiremos nosso destino manifesto nas estrelas, lançando astronautas americanos para plantar as estrelas e listras no planeta Marte”, disse ele.
Sentado em um lugar de honra, Elon Musk celebrou pouco discretamente.
Se o plano de Trump der certo, os americanos serão uma nação orgulhosa, de pessoas prósperas e livres, com fronteiras bem controladas, cidades seguras e um parque industrial forte abastecido pela matriz energética local.
Depois de posse, discurso com provocações
O pronunciamento formal de posse não foi o único de Trump no dia.
No térreo do mesmo prédio, falando sem teleprompter a uma plateia de apoiadores selecionados, o republicano fez um discurso mais ao seu estilo em que confessou ter moderado as palavras na fala oficial, minutos antes.
“Decidi que não ia fazer um discurso complicado; ia fazer um discurso bonito, um discurso unificador”, disse, aos risos.
O discurso no andar debaixo não foi unificador. Ali estava o Donald Trump provocador, que muda o rumo do pensamento emendando um “by the way” e depois, aos trancos, retoma o raciocínio original.
O novo presidente disse que Liz Cheney (comentarista política e filha do ex-presidente Dick Cheney) é um “desastre” e uma “lunática chorona”. Afirmou que Hillary Clinton “não parecia estar muito feliz hoje”.
A eleição de 2020? “Totalmente fraudada” pelos democratas, que “tentaram” fazer o mesmo em 2024.
Trump também insinuou que houve colaboração de autoridades na invasão do Congresso em 6 de janeiro de 2020. O republicano disse que ofereceu 10 mil soldados para reforçar a segurança do prédio, mas que Nancy Pelosi (a democrata que presidia a Câmara) recusou. “Talvez ela quisesse que acontecesse”, acusou.“She is guilty as hell”, disse ele, em uma frase que pode ser traduzida com “Ela é culpada para caramba”.
Resistência deve ser menor que em 2017
No primeiro mandato, Trump estava preso ao establishment republicano e atado pela burocracia profissional, majoritariamente democrata.
Desta vez, ele sabe o que o espera.
O Partido Republicano está sob comando total dos trumpistas. Lara Trump, nora do magnata, era copresidente da sigla até o mês passado, quando deixou o cargo para buscar uma potencial vaga no Senado.
Nos últimos anos, os parlamentares republicanos anti-Trump ou perderam a influência (como Mitt Romney) ou se dobraram à liderança de Trump (como Lindsey Graham).
Quanto à insubordinação dos funcionários públicos que encontrou no primeiro mandato, Trump parece ter aprendido a lição: o novo Departamento de Eficiência Governamental, comandado por Elon Musk, vai se encarregar de reduzir ao máximo a influência da burocracia sobre o governo.
Donald Trump tem uma ambição maior que em 2017, e condições mais favoráveis que em 2017. Se conseguir o que planeja, e apesar do ocasional destempero com as palavras, ele pode pleitear um lugar na rotunda do Capitólio.
Por ora, a cara do segundo mandato é a do retrato oficial do mandato: um Trump desafiador, quase agressivo, em lugar do sorriso com os dentes à mostra da imagem de oito anos atrás.
noticia por : Gazeta do Povo