O Paxlovid pode tratar a Covid longa? Um novo relatório sugere que pode sim ajudar alguns pacientes, mas o quanto podem se beneficiar do medicamento ainda não está claro.
O estudo, publicado na última semana no periódico Communications Medicine, descreve casos de 13 pacientes com Covid longa que fizeram uso prolongado do antiviral. Os resultados foram mistos: nove pacientes relataram alguma melhora, mas apenas cinco disseram que os efeitos foram duradouros. Quatro não relataram nenhuma melhora.
Talvez mais do que tudo, o relatório ressalta que quase cinco anos após o início da pandemia, ainda pouco se sabe sobre o que pode ajudar milhões de pessoas com Covid longa. Enquanto algumas melhoram por conta própria ou com terapias e medicamentos, nenhum tratamento ainda demonstrou ser amplamente bem-sucedido.
“Pessoas com Covid longa estão ansiosas por tratamentos que possam ajudar”, diz Alison Cohen, pesquisadora de saúde pública da Universidade da Califórnia e autora do novo relatório que também tem Covid longa. “Houve muita pesquisa, mas é um processo lento”.
O Paxlovid, produzido pela Pfizer, é considerado uma perspectiva tentadora porque pode prevenir doenças graves durante infecções ativas de Covid e porque os pacientes que tomam o tratamento de cinco dias durante a infecção têm menos probabilidade de desenvolver versão longa.
Além disso, uma teoria de que alguns casos prolongados da doença podem ser causados por resquícios do vírus no corpo, sugere que um antiviral como o Paxlovid pode acabar com esses sintomas ao extinguir o vírus persistente.
No ano passado, o primeiro teste randomizado de Paxlovid para Covid longa não mostrou nenhum benefício. Realizado na Universidade de Stanford, envolveu 155 pacientes que tomaram o medicamento ou um placebo por 15 dias. Embora tomar o remédio da Pfizer por esse tempo tenha sido considerado seguro, não ajudou muito os candidatos: dez semanas depois, os grupos placebo e Paxlovid não mostraram nenhuma diferença significativa na gravidade dos sintomas da doença prolongada.
Especialista em doenças infecciosas e líder do teste, Upinder Singh afirma que seus resultados e o novo relatório geraram principalmente “mais perguntas a serem respondidas”: O Paxlovid poderia ajudar se tomado por mais de 15 dias ou pareado com outros medicamentos? Seu efeito varia de acordo com os tipos de sintomas ou quando os sintomas começaram?
“É bem possível que dentro da Covid longa, existam diferentes tipos de doenças”, diz Singh, agora chefe de medicina interna na Universidade de Iowa. Talvez o Paxlovid ou outros antivirais ajudassem os pacientes que pudessem ser claramente determinados a ter vírus persistente em seus corpos, diz.
Imunologista da Universidade de Yale, Akiko Iwasaki afirma que os cientistas não deveriam “jogar a toalha” sobre a possibilidade de antivirais para tratamento da Covid longa.
“Se você olhar no conjunto, não verá diferença entre o grupo placebo, mas esses relatos de caso demonstram que há pessoas que realmente se beneficiam, então precisamos nos concentrar nesses pacientes”, afirma Iwasaki, que está liderando outro estudo randomizado do Paxlovid, cujos resultados ainda não foram publicados.
Ela disse que os próximos passos importantes seriam identificar marcadores biológicos em pessoas cujos sintomas de Covid longa melhoraram com Paxlovid e verificar se outros antivirais ajudam pacientes diferentes.
O novo relatório não foi um ensaio clínico, mas uma coleção de autorrelatos de 13 pacientes com Covid longa nos Estados Unidos que tentaram tratamentos prolongados de Paxlovid. É a primeira série de casos publicada de tais pacientes, de acordo com os autores, que incluem Michael Peluso, médico infectologista da UCSF, e membros do Patient-Led Research Collaborative, um grupo de pesquisadores que também têm Covid longa.
As experiências foram variadas para produzir uma trajetória consistente, mas a variedade pode fornecer pistas para estudos maiores, disseram os autores.
Os pacientes, com idades entre 25 e 55 anos, foram infectados entre março de 2020 e dezembro de 2022. Eles apresentaram um ou mais sintomas, incluindo fadiga; problemas gastrointestinais; problemas cognitivos como confusão mental; dores musculares; frequência cardíaca irregular; e uma condição chamada mal-estar pós-esforço, na qual o esforço físico ou mental causa contratempos.
Assim como no estudo de Stanford, a maior parte dos pacientes no novo relatório havia sido vacinada quando tomaram Paxlovid. O tempo de tratamento com o medicamento variou de 7,5 dias a 30 dias. A maioria tentou para encontrar alívio de seus sintomas persistentes de Covid longa; dois pacientes com o problema receberam tratamento estendido do antiviral quando foram reinfectados com o vírus.
A maioria dos pacientes também estava tomando outros medicamentos ou suplementos, o que tornava difícil determinar o efeito específico do Paxlovid, diz Cohen. Ainda assim, alguns disseram que o fármaco os ajudou significativamente.
Assistente social no Colorado, Kate Leslie, 46, diz que era saudável e atlética antes de sua infecção pelo coronavírus em março de 2022. Seis semanas depois, ela lembra de se sentir como se tivesse sofrido uma concussão, com dificuldade para pensar com clareza e encontrar palavras.
Ela desenvolveu síndrome de taquicardia ortostática postural, com sintomas incluindo frequência cardíaca e pressão arterial irregulares e desmaios ocasionais. Jogadora e treinadora de Ultimate Frisbee de longa data, Leslie começou a sentir fadiga profunda e mal conseguia levantar os braços.
“Era como se houvesse blocos de concreto em seu corpo”, afirma. “Eu não conseguia sair da cama. Meu marido teve que lavar meu cabelo, secá-lo e me vestir.”
Depois que um antiviral que lhe foi prescrito para uma infecção de gripe, o Tamiflu, acabou aliviando alguns dos seus sintomas longos de Covid, a assistente social se perguntou se os antivirais relacionados à Covid poderiam ajudar ainda mais. Em fevereiro de 2023, ela encontrou um médico que prescreveu um curso de 15 dias de Paxlovid.
Depois, “pude sentir meu corpo se reestabilizando”, afirma, acrescentando: “comecei a recuperar minha energia”.
Cerca de seis meses depois, ela obteve outra prescrição de 15 dias, o que ajudou novamente. Ela estima que agora funcione em cerca de 85% do seu nível pré-Covid.
No entanto, alguns dos problemas médicos dela pioraram após o Paxlovid, incluindo uma condição do sistema imunológico que causou alergias. Três outros pacientes também relataram problemas incômodos após tomar o antiviral, como formigamento e desconforto gastrointestinal.
Entre aqueles que não perceberam nenhum benefício do medicamento estão Julia Moore Vogel, 39, diretora sênior de programa na Scripps Research. Corredora de longa distância antes de ser infectada pelo coronavírus em julho de 2020, agora ela usa uma cadeira de rodas e está praticamente confinada em casa, diz.
Vogel e sua filha se mudaram recentemente para o outro lado do país, da Califórnia, para morar com os pais dela em Nova York. “Cheguei ao ponto em que pensávamos, ou eu preciso parar de trabalhar ou precisamos de mais ajuda em casa”, diz.
Os sintomas sentidos por ela incluem fadiga, mal-estar pós-esforço e enxaquecas. Vogel então fez um tratamento de dez dias com Paxlovid em abril de 2023. “Simplesmente não teve impacto algum para mim”, afirma.
Hoje em dia, ela administra cuidadosamente o orçamento de sua energia, tentando sair de casa não mais do que uma vez por semana. Medicamentos para enxaqueca forneceram algum alívio, mas, além disso, “tentei muitas coisas, e basicamente nada realmente me ajudou a melhorar”.
Cohen afirma que o relatório reforça a teoria de que a Covid longa tem muitas causas e tratamentos diferentes.
“Uma questão realmente importante é quem pode se beneficiar de tomar um tratamento prolongado com Paxlovid e por quê”, ela diz, “e se ele beneficia alguns sintomas, quais sintomas ele beneficia?”
noticia por : UOL