Em 2024, o Poder Executivo concluiu negociações com entidades sindicais e assinou “Termos de Acordo” que, segundo o próprio governo, contemplam cerca de 98% dos servidores federais, por meio de reestruturações de carreira a serem implementados até 2026. Não obstante sejam documentos públicos, firmados em cerimônias no Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, o governo vem negando o acesso a tais termos, contrariando a Lei de Acesso à Informação, e não divulgou, em nenhum momento, os impactos financeiros desses acordos e suas datas de vigência, mas a quase totalidade dos acordos prevê que os reajustes serão implementados a partir de janeiro de 2025.
O Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2025, aprovado pelo Congresso em 17 de dezembro de 2024, autoriza o aumento da despesa com pessoal, observados os limites estabelecidos na Lei Complementar nº 101, de 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, e as condições estabelecidas nos art. 111 e art. 113 da própria LDO, com a concessão de quaisquer vantagens, aumentos de remuneração e alterações de estrutura de carreiras, até o montante das quantidades e dos limites orçamentários estabelecidos para o exercício financeiro, cujos valores deverão constar de programações específicas, e para a despesa anualizada constantes de anexo específico da Lei Orçamentária de 2025.
Com fundamento nessa previsão da LDO, e para atender às despesas resultantes, o Executivo propôs ao Congresso, no projeto de lei orçamentária anual para 2025, um limite de aumento de despesas primárias da ordem de R$ 16,8 bilhões, e R$ 1,917 bilhões de despesa financeira. O aumento anualizado dessas despesas seria de R$ 17 bilhões na despesa primária e R$ 1,922 na despesa financeira. Foi previsto, ainda, um limite de R$ 3,057 bilhões para reajustes de militares, em 2025. Os recursos para o reajuste dos servidores civis estão alocados em reserva de contingência na Unidade Orçamentária 71102 – Recursos sob Supervisão do Ministério do Planejamento e Orçamento
Contudo, embora o PLDO tenha sido aprovado pelo Congresso, o Projeto de Lei Orçamentária Anual para 2025 ainda não foi a votos, e será necessário um esforço adicional sua aprovação até o término da sessão legislativa atual (em 22 de dezembro de 2024).
Surgem, portanto, dúvidas quanto à viabilidade de o Executivo editar uma medida provisória, antes da aprovação e sanção da Lei Orçamentária, visto que a autorização para aumento da despesa e seu montante, que confeririam viabilidade a esse ato, podem não estar em vigor até o dia 31 de dezembro de 2024.
O PLDO 2025, aprovado em 18.12.2024, e que aguarda sanção, contém, no art. 69, as regras para a execução provisória do orçamento:
“Art. 69. Na hipótese de a Lei Orçamentária de 2025 não ser publicada até 31 de dezembro de 2024, as programações constantes do Projeto de Lei Orçamentária de 2025 poderão ser executadas para o atendimento de:
………………….”
Nenhum dos incisos do art. 69 autoriza a execução provisória de despesas com pessoal decorrente de reajustes ainda não aprovados pelo Congresso, ou decorrentes da autorização de aumento de despesa contida no Anexo V da LOA, que é exigido pelo art. 114, IV da LDO aprovada. Nem mesmo a autorização para a realização de despesa inadiável, na proporção de 1/12, se aplica a isso.
Já o art. 113 do PLDO, na redação aprovada, diz:
“Art. 113. A proposição legislativa relacionada à criação ou ao aumento de gastos com pessoal e encargos sociais ou com benefícios obrigatórios devidos aos agentes públicos e seus dependentes, de que trata o caput do art. 108, deverá ser acompanhada de:
I – demonstrativo do impacto orçamentário-financeiro da medida proposta, por Poder ou órgão referido no art. 20 da Lei Complementar nº 101, de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, com detalhamento das ativos, inativos, pensionistas e, quando for o caso, beneficiários, acompanhado de premissas e metodologia de cálculo utilizadas, conforme estabelece o § 2º do art. 16 da referida Lei Complementar;
II – comprovação de que a medida, em seu conjunto, observa a meta de resultado primário estabelecida nesta Lei, considerado o limite inferior do intervalo de tolerância de que trata o inciso II do § 1º do art. 2º, os limites de despesas primárias estabelecidos na Lei Complementar nº 200, de 30 de agosto de 2023, e os limites estabelecidos no art. 20 da Lei Complementar nº 101, de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal;
III – manifestação do Ministério do Planejamento e Orçamento e do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, no caso do Poder Executivo federal, e dos órgãos próprios dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União sobre o mérito e a adequação orçamentária e financeira; e
IV – parecer ou comprovação de solicitação de parecer do Conselho Nacional de Justiça sobre o cumprimento dos requisitos previstos neste artigo, quando se tratar de projetos de lei de iniciativa do Poder Judiciário, exceto aqueles referentes exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal e ao Conselho Nacional de Justiça.”
Observa-se que dois órgãos (MPO e MGI) têm que se manifestar sobre “adequação orçamentária e financeira” da proposição legislativa, seja projeto de lei ou medida provisória, o que pressupõe o cumprimento do art. 169 da CF, além da LRF e da Lei do Arcabouço Fiscal (Lei Complementar nº 200/2023).
O art. 169, § 1º da CF exige dois requisitos:
“§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas:
I – se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;
II – se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.”
Veja-se que a norma constitucional requer dotação orçamentária “prévia” e “suficiente” à produção de efeitos financeiros da norma legal resultante, no caso de Projeto de Lei, ou da publicação da própria medida provisória, que tem efeitos a partir da data de sua edição.
E segue o artigo 113, com a redação dada pelo relator:
“§ 1º A proposição de que trata o caput e a norma dela decorrente não poderão conter dispositivo com efeitos financeiros anteriores à entrada em vigor ou à plena eficácia da norma, com exceção ao aumento de remuneração ou à alteração de estrutura de carreira vigentes antes da publicação da lei orçamentária anual de 2025, com efeitos remuneratórios a partir de 1º de janeiro de 2025.
-
- 2º É incompatível com o disposto no § 1º do art. 169 da Constituição e com o art. 114 desta Lei a edição de normas derivadas das proposições de que trata o caput deste artigo sem a prévia autorização em anexo específico da Lei Orçamentária, quando for o caso, e a demonstração de prévia dotação suficiente para atender à criação ou aumento das despesas.”
Esses dispositivos não podem ser ignorados e têm que ser interpretados em conjunto, sob pena, mesmo, de afronta ao art. 10, item 4, da Lei de Crimes de Responsabilidade.
Não tendo a LOA sido aprovada, e não havendo autorização de execução provisória de despesas previstas em reserva de contingência para atender o art. 169 da CF, e compatíveis com o limite do Anexo V, evidencia-se um problema.
O § 1º diz que nenhum reajuste pode ter efeito retroativo, ou seja, antes da entrada em vigor da lei ou MPV que o instituir.
Aí, acrescentou o relator do PLDO 2025: “com exceção ao aumento de remuneração ou à alteração de estrutura de carreira vigentes antes da publicação da lei orçamentária anual de 2025, com efeitos remuneratórios a partir de 1º de janeiro de 2025.”
A redação está confusa, como é comum nas “gambiarras” legislativas que, com enorme frequência, vem-se acumulando há alguns anos.
Na parte inicial da oração, o dispositivo cria uma exceção à vedação de efeitos retroativos (permitindo efeitos retroativos a janeiro de 2025), o que só faria sentido se fosse o caso de um PL aprovado após janeiro, ou MPV editada após essa data (considerando que seja pressuposto a aprovação da LOA).
Mas usa uma expressão que se refere a “aumento de remuneração ou à alteração de estrutura de carreira vigentes antes da publicação da lei orçamentária anual de 2025”.
Ou seja, nos termos dessa previsão, que abre uma exceção à regra geral, poderia ter efeito retroativo um reajuste “vigente antes da publicação da LOA 2025”.
Isso só faria sentido no caso de edição de MPV antes da publicação da LOA, e com efeitos anteriores à data de sua edição. Mas essa MPV não estaria em acordo com o art. 114, nem com o art. 113, III do PLDO 2025, pois não teria as condições necessárias para ser editada.
Apesar de sermos totalmente favoráveis à efetivação dos acordos firmados, respeitando-se as suas datas de efeitos, é forçoso concluir que solução dada pelo art. 113, § 1º é incorreta, imprecisa, incoerente, posicionada em dispositivo impróprio do PLDO 2025, e isso pode levar a que as áreas técnicas que deverão ser consultadas e se manifestar sobre a edição de uma medida provisória antes da aprovação e publicação da LOA 2025, concluam que NÃO PODE ser editada.
E dada a péssima redação do dispositivo, a regra proposta sequer permitiria o efeito retroativo pretendido, pois a redação requer que a norma legal estivesse em vigor ANTES da publicação da LOA 2025.
Mas para estar em vigor ANTES da publicação da LOA 2025, teria que haver autorização para execução provisória, e não uma alteração na regra de vedação de retroatividade de reajustes.
É preocupante, na atual quadra histórica, em que gambiarras legislativas são ratificadas pelo próprio STF, como recentemente ocorreu no julgamento da ADI 2.135, validando a fraude à Constituição ocorrida quando da promulgação da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, extinguindo o regime jurídico único no serviço público, o grau de improvisação e amadorismo no trato de questões orçamentárias.
Posições fundamentadas, técnicas e consistentes das áreas competentes têm sido deixadas de lado em prol de um pragmatismo que, a rigor, apenas contribui para a instabilidade das relações jurídicas e enfraquecimento das regras de transparência que devem orientar a despesa pública.
É, apenas, mais um subproduto da anarquia orçamentária estabelecida a partir da promulgação das EC nº 86, 122 e 126, que tornaram impositivas as emendas parlamentares ao Orçamento, e da crescente apropriação do processo orçamentário pelo Poder Legislativo, que redundou na decisão do STF na ADI 7.967 e na Lei Complementar nº 210, de 25 de novembro de 2024. As disputas em torno dessa situação levaram a um “represamento” do processo orçamentário em 2024, cujo corolário é, pelo atraso na aprovação do PLOA 2025, o eventual impedimento de que os acordos sejam cumpridos tempestivamente, e a necessidade de que a má redação dada ao art. 113 da LDO seja superada por nova proposição legislativa, ao longo de 2025.
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