Os escombros do Shopping Popular ainda queimavam e mal os lojistas assimilaram a tragédia que estava diante de seus olhos, quando eles deram os primeiros passos para se reerguer.
Foi durante a madrugada da última segunda-feira (15) que o sonho de muitos, construído ao longo de décadas de trabalho, e o único ganha pão da maioria, virou cinzas.
Os “boleiros”, como eram conhecidos no Shopping Popular, seu Onézio Ferreira da Silva e a esposa, dona Sângela Maria de Jesus, voltaram a vender salgados na rua como antes de terem sua lanchonete na praça de alimentação do centro comercial.
“Voltamos às origens, de onde começamos. Estamos aqui desde antes desse prédio. Quando ele foi construído passamos bastante perrengue, mas estamos aí de novo, quase 30 anos na luta e vamos continuar, se Deus quiser”, disse dona Sângela.
Eles foram um dos primeiros a ocupar as calçadas dos comércios em frente ao Shopping Popular após a tragédia.
Seu Onézio disse que não podiam ficar de braços cruzados no momento em que precisam de tanta coisa em casa. “Viemos para a calçada vender salgado, café, suco, leite, refrigerante, para não ficar parado. Não tínhamos outra renda além da lanchonete”.
Não era nem metade manhã de quarta-feira e eles já tinham vendido todos os salgados. Orgulhoso, o comerciante mostrava o isopor vazio. “Ainda ficamos na incerteza se ia ter cliente ou não. Mas Graças a Deus ontem e hoje vendemos tudo”, disse.
“Estamos com esperança de chegar lá de novo, até reconstruir o Shopping. Estamos fazendo como na época da pandemia, em que vendíamos na praça para pagar as despesas diárias”, afirmou dona Sângela.
Luiz Henrique é um dos mais de 40 comerciantes que agora estão ocupando as calçadas em lojas em frente ao Shopping Popular.
Ele, que tinha uma banca de venda de acessórios para celular com a esposa, precisou voltar o quanto antes para conseguir o sustento da família. “Minha bebê tem só três meses”, disse.
A ocupação em massa começou na sexta-feira (19) e, segundo Luiz Henrique, eles estão sendo bem recebidos pelos lojistas. “Não tivemos problemas. Eles estão vendo a nossa necessidade, vendo o que aconteceu com a gente”, disse.
“As vendas estão caminhando, hoje que nós começamos, porque o pessoal não sabia onde estávamos ainda”.
Novos caminhos
O empresário Nivaldo Schatzmann Netto, há oito anos como dono de uma loja de celulares no centro comercial, também perdeu tudo. “Era minha única fonte de renda e agora, infelizmente, vou ter que começar do zero”, disse.
Sentado no meio fio, de frente para o que um dia foi o seu sonho, e vendo a movimentação das máquinas para demolir o restante da estrutura que ainda resistia em pé, ele conta seus próximos passos.
“Eu e uns quatro amigos nos juntamos em um box no Feirão dos Importados e estamos trabalhando. O aluguel aumentou e juntos viramos quase sócios”, disse.
Nivaldo afirma que o fato de ser técnico de celulares torna a situação mais fácil, pois ele não depende da sua mercadoria, que foi toda perdida no incêndio. “Uma semana antes eu tinha investido ali todas as minhas economias”.
“As contas vão atrasar, talvez suje meu nome, vou ter que negociar empréstimos, me virar nos 30. Tenho esposa e uma filha pequena de seis meses, mas alimento não vai faltar. Ainda tenho alguns cartões, tenho família para me ajudar”, afirma.
Lucas Rocha e Anelise Oliveira também atuam no setor de assistência técnica e venda de celulares. Eles trabalhavam há seis meses no Shopping Popular e, com o patrão, encontraram um espaço cedido no Feirão dos Importados, que fica ao lado do “camelódromo”.
“Um amigo nosso cedeu a bancada pra gente poder fazer a assistência técnica e estamos tentando captar novos clientes online”, explicou Lucas.
“A minha ficha só caiu na terça-feira de que, realmente, não tem mais nada. Aí veio a dúvida do que eu vou fazer agora”, completou.
Os amigos contam que têm usado o dinheiro de uma reserva para emergências, mas o medo das contas “batendo a porta” segue constante.
“A gente não tem certeza do amanhã, tínhamos um trabalho, uma renda, e hoje estamos nos virando como dá, com a ajuda de amigos, de familiares, usando o dinheiro que era para uma emergência”, disse Anelise.
“Algumas contas vão ter que aguardar, não tem jeito. A preocupação é com as essenciais, água, luz, aluguel… O resto a gente vai vendo. Se tivermos onde comer e onde dormir, já está beleza”, completou.
Rede de apoio
O empresário Rafael Yonekubo trabalha com a produção e conserto de joias desde 2008 e há quatro anos estava no Shopping Popular. Há pouco mais de um mês, ele mudou de ponto para um mais bem localizado no centro comercial.
A joalheria era a única fonte de renda da família, já que ele e a esposa trabalhavam juntos. “Quando minha esposa soube o que aconteceu, ela entrou em pânico, chorou muito”, disse.
Rafael ainda não fez as contas de quanto perdeu com o incêndio, mas avalia que somente em maquinário foi entre R$ 260 mil e R$ 280 mil de prejuízo.
“Minha vida toda estava ali, tudo o que juntei em 16 anos de profissão, máquinas de fazer corte a laser, de solda, de gravação, ferramentas que pouquíssimas pessoas em Cuiabá têm”.
Emocionado, Rafael conta que desde que a tragédia aconteceu ele tem recebido a ajuda de familiares, amigos e até de desconhecidos. “Aí eu vi o tanto de amigos que eu tenho, as pessoas estão me ajudando tanto”.
As doações vão desde dinheiro em vaquinhas online, voucher de uma loja parceira para a compra de materiais, economias de um amigo e até uma oferta de um desconhecido para vender óculos.
Rafael já tem planos para voltar a trabalhar no ponto em que começou ao lado do pai, mas disse não ter vergonha de fazer outros trabalhos se for preciso.
“Se tiver que sair na rua para vender espetinho, picolé, eu vou. Não tenho vergonha e nem vaidade nenhuma”, disse.
Rafael, que já tinha uma viagem agendada para Brasília, aproveitou para interceder junto a assessores do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, para acelerar o processo de uma possível linha de crédito.
“Ofereceram uma linha de crédito que entrou em vigência na semana passada, que se chama ProCred 360. É uma linha de crédito que vai de R$ 60 mil até 360 mil”.
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Fonte: Mídia News